Idealmente, a prescrição nutricional deve ser determinada com base no inquérito alimentar, cuja importância tem sido reforçada pelas diretrizes nutricionais do WSAVA (World Small Animal Veterinary Association). A avaliação nutricional se tornou o 5° parâmetro vital, acompanhando os outros quatro sinais vitais no exame clínico: temperatura, pulso, respiração e avaliação da dor. Então, o inquérito alimentar deve ser feito em cada consulta e para cada paciente, com o objetivo de avaliar cuidadosamente suas necessidades nutricionais para a manutenção da saúde ou integrar algum tratamento de um estado patológico.
Basicamente, as perguntas que precisam ser respondidas no inquérito alimentar são: o quê, quanto, quando, onde, como e quem. Isso significa saber, principalmente, sobre o nome de todos os alimentos fornecidos, classificações (alimento completo industrializado, completo caseiro, coadjuvante e complemento alimentar também conhecido como alimento específico), tipos (seco e úmido), indicações (fase de vida, porte e necessidade específica, quando houver), onde e quando foram comprados, suas condições de armazenamento e quanto o animal está consumindo diariamente de cada um; detalhes em relação a nomes e quantidades de petiscos, sobras de alimentos, suplementos, alimentos usados para a administração de medicamentos ou produtos mastigáveis; além de informações sobre prática de atividades físicas (tipo, duração e frequência), ambiente em que vive (dentro e/ou fora de casa), quem alimenta o animal e ambiente das refeições. Também é uma boa ideia perguntar mais detalhes sobre animais adicionais na casa e sobre potenciais acessos a outras fontes de comida.
Ao identificarmos alguns fatores-chave durante o inquérito alimentar, conseguimos montar uma prescrição nutricional mais personalizada e que contribua para a saúde do pet e para sua condição corporal adequada. É importante lembrar que o peso corporal, embora seja uma medida objetiva e precisa, não fornece informações suficientes para determinar o peso ideal sem a determinação do escore de condição corporal. Além disso, o inquérito alimentar associado à avaliação da condição corporal sugere status metabólico, pois reflete o balanço entre ingestão de calorias e gasto energético. Assim, fornece melhor base para determinar a necessidade energética e a quantidade de alimento.
Podemos considerar que cães e gatos se alimentam para satisfazerem suas necessidades de energia. Contudo, é impossível ter um mesmo cálculo que expresse a necessidade energética para cada animal individualmente. Isso ocorre porque os animais podem ter pesos corporais amplamente diferentes e as necessidades energéticas não estão correlacionadas com o peso corporal de uma forma linear, o que explica a necessidade do peso metabólico para o cálculo. Além disso, independente do peso, a necessidade energética pode ser influenciada pela idade, sexo, raça, porte, nível de atividade física, condição sexual, temperamento, temperatura e tipo de ambiente social, características da pele e pelagem, condição corporal ou doença associada.
Uma informação prática é que, de maneira geral, idade e atividade podem ser consideradas grandes contribuintes para as necessidades energéticas individuais de cães saudáveis, sendo a mensuração do nível de atividade física em cães adultos, talvez, o ponto mais difícil de determinar, porque muitos tutores podem considerar seus pets muito ativos, mas sem trazer informações concisas de duração, intensidade e frequência das atividades.
Inicialmente, pode ser melhor considerar um nível baixo de atividade (95kcal x kg0.75), como passear na coleira (atividade de baixo impacto e inferior a 1h por dia), para evitar o risco de superconsumo e consequente sobrepeso/obesidade, ajustando no retorno, se necessário. Da mesma forma recomenda-se, como ponto de partida, um nível baixo de atividade para cães seniores. Contudo, pode ser importante considerar um nível médio de atividade (110kcal x kg0.75) para os cães entre a idade adulta e a idade sênior ou que realizam de 1 a 3h por dia de atividades de baixo impacto ou de alto impacto por tempo inferior a 1h por dia. Já para cães adultos jovens, entre 1 a 2 anos, por exemplo, podem ser necessários níveis maiores de energia (125-140kcal x kg0.75), assim como para aqueles que realizam atividades de alto impacto de 1 a 3h por dia. Quando pensamos em gatos adultos saudáveis, é importante considerar para a determinação da necessidade energética, principalmente, se são ativos (100kcal x kg0.67) ou se são castrados e/ou vivem em ambientes internos (52-75kcal x kg0.67).
Entretanto, se as necessidades energéticas do pet forem satisfeitas sem atender às necessidades de nutrientes, como proteínas, minerais ou vitaminas, isso poderia trazer riscos de deficiências nutricionais e impacto negativo em sua saúde e bem-estar. Por isso, é importante a prescrição de um alimento completo e devidamente balanceado, seja industrializado ou caseiro, mas capaz de atender integralmente às suas exigências energéticas e nutricionais.
Após a escolha do alimento completo e balanceado, é preciso lembrar que oferecer um alimento como forma de agrado ou prêmio é uma parte importante do vínculo do tutor com seu pet, e pode ser incluído numa prescrição nutricional. Nesse caso, pode-se adicionar à dieta um alimento específico, também conhecido como complemento alimentar. Quando do tipo úmido, além de servir como um agrado saboroso, sua textura úmida auxilia na saciedade e saúde do trato urinário. Contudo, recomenda-se que ele contribua com no máximo 5 a 10% da necessidade energética diária. Se oferecido em quantidade acima do recomendado, traz risco de desbalanceamento nutricional, porque pode contribuir com ingestão de calorias, sem atender integralmente às necessidades diárias de nutrientes.
Com todos esses pontos fica mais fácil entender a importância da prescrição de uma dieta balanceada. Isso significa garantir a ingestão recomendada tanto de energia, como de nutrientes, e inclui os alimentos que o pet consome, com o controle da quantidade diária com base na necessidade energética individual e na caloria do alimento. Ou seja, para a determinação da quantidade diária é necessário dividir a necessidade energética do pet pela energia metabolizável do alimento descrita no rótulo (que é a informação sobre a energia a ser aproveitada pelo organismo, descontada as perdas fisiológicas pelas fezes e urina).
É importante reiterar para o tutor que a prescrição nutricional inicial servirá como ponto de partida para que num retorno, após novo inquérito alimentar, a quantidade diária seja ajustada se necessário, ou até mesmo o(s) tipo(s) de alimento(s) oferecido(s) e o manejo, como o número de refeições, por exemplo. A condição corporal deve ser monitorada com frequência e o melhor argumento para convencer o tutor disso é considerar o impacto que essa avaliação tem sobre a saúde e longevidade, pois o controle alimentar e a condição corporal ideal (4/9 a 5/9) pode aumentar o tempo de vida dos pets.
Nutrient Requirements of Dogs and Cats – NRC. Washington, DC, National Academies Press, 2006, 424p.
Fédération Européenne de l’Industrie des Aliments pour Animaux Familiers – FEDIAF. Guideline for Complete and Complementary Pet Food for Cats and Dogs. Brussels, Belgium, 2020. Acesso: https://fediaf.org/images/FEDIAF_Nutritional_Guidelines_2020_20200917.pdf
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Prof. Dr. Aulus Carciofi Médico Veterinário, Pesquisador na Unesp Jaboticabal, com trabalhos em nutrição e nutrição clínica de cães e gatos. Atualmente é Vice-Presidente da ESVCN – European Society of Veterinary & Comparative Nutrition. Além disso, é consultor Affinity Petcare e embaixador Guabi Natural, levando conhecimento sobre a nutrição na prática clínica dos Médicos Veterinários. ttps://guabinatural.com.br/minipalestras/inquerito-alimentar-e-sua-importancia-durante-a-consulta/